Em 2015, a Lei Penal chinesa incluiu o crime de “Assistência a Atividades Criminosas em Rede de Informação” (vulgo “Auxílio a Crimes TI”). Com o reforço das ações contra a criminalidade financeira, potenciado pela operação “Card Severance”, os processos relativos a este crime conheceram uma ascensão vertiginosa—ocupando agora o terceiro lugar entre todos os delitos criminais na China, segundo dados públicos. Este ilícito desperta opiniões contraditórias: por um lado, é visto por alguns como “preferível”, dada a pena mais leve face aos coautores; por outro, representa uma norma de recurso exigente, dificultando a fuga a consequências sérias. Na prática, a interpretação e os critérios de condenação variam substancialmente entre tribunais locais, o que gera decisões díspares para situações semelhantes. No dia 28 de julho de 2025, o Supremo Tribunal Popular, a Procuradoria Suprema Popular e o Ministério da Segurança Pública emitiram conjuntamente as “Opiniões sobre o Tratamento de Processos Criminais Relacionados com a Assistência a Atividades Criminosas em Rede de Informação” (“Opiniões”), que se afirmam como nova referência regulatória para este crime—amplamente apelidada de “Nova Regulamentação sobre o Auxílio a Crimes TI”.
As Opiniões redefinem em profundidade os critérios de enquadramento e punição do auxílio a crimes TI. Entre as principais alterações destacam-se:
A apresentação das Opiniões foi acompanhada pela divulgação de sete casos exemplificativos, representando papéis estratégicos no mercado “negro e cinzento” do cibercrime—como “comerciantes U”, “comerciantes de contas” e “prestadores profissionais de serviços de desbloqueio”. Destaca-se o Caso 4, que aborda crimes com moedas virtuais. Da análise das Opiniões e dos casos não se registam grandes diferenças face aos processos criminais comuns, mas as medidas de combate à criminalidade informática e às cadeias de fornecimento cibercriminosas revelam-se mais rigorosas e efetivas.
[Resumo do Caso] Em julho de 2022, Wang, Zhang e Zhao conspiraram para obter ganhos ilícitos auxiliando terceiros na movimentação de proventos criminais através de transferências bancárias, levantamentos em numerário e conversão de moeda virtual. Com funções claramente distribuídas, Wang fornecia os fundos, Zhao adquiria moedas virtuais com esses fundos e enviava-as ao superior como depósito, enquanto Wang e Zhang compraram um grande número de cartões bancários e entregaram-nos ao líder, que os usava para receber fundos ilícitos. Após o depósito dos montantes nos cartões, o chefe ordenava que terceiros efetuassem levantamentos em múltiplos bancos de Daqing, na província de Heilongjiang. Após deduzir uma comissão entre 10% e 15% dos valores levantados, o restante era usado na aquisição de moeda virtual e remetido ao cabecilha. A investigação apurou que, entre 5 e 14 de agosto de 2022, Wang e os cúmplices transferiram mais de 400 000 RMB provenientes de fraude, pertencentes a 15 vítimas, incluindo Lin.
[Sentença Judicial] O Tribunal Popular do Distrito de Acheng, Harbin, condenou Wang e Zhang por ocultação e dissimulação de proventos criminais, fixando para cada um três anos e seis meses de prisão e multa de 30 000 RMB; Zhao foi sentenciado a três anos e três meses de prisão e multa de 25 000 RMB. Todos recorreram, mas o tribunal superior manteve a decisão.
[Aviso legal] Wang, Zhang e Zhao procederam à lavagem de proventos ilícitos ao converter fundos recebidos via cartões bancários em moeda virtual, exemplificando o método “Card-to-U and Back” usado para transferir fundos ilícitos através de operações cripto—um circuito fechado que muitos criminosos encaram como ideal. Na prática, os burlões a montante—frequentemente sediados no estrangeiro—exploram o anonimato, a elevada dissimulação e a conveniência das cripto para transferir fundos roubados e dificultar a ação das autoridades. Os cúmplices a jusante facilitam o branqueamento e a transferência, alimentando crimes a montante e provocando perdas graves e, muitas vezes, irreparáveis para as vítimas. Este caso não só evidencia a aplicação das Opiniões, como também fornece orientações comportamentais e jurídicas claras: mesmo intermediários que apenas facilitam o fluxo de fundos ilícitos devem responder de forma rigorosa, independentemente de terem participado ou não no crime inicial.
No universo Web3, só cresce quem assegura a conformidade.
1. O novo regulamento é claro: desconhecimento jurídico deixou de garantir proteção. Os profissionais da área Web3 devem investir na literacia legal, manter-se atentos, implementar controlos de risco eficazes e criar estratégias de conformidade sólidas para garantir operações em consonância com a lei. Não o fazer pode transformar alguém num instrumento ou cúmplice de criminosos, mesmo sem intenção consciente.
2. A política equilibra clemência com rigor: estudantes ou pessoas coagidas podem beneficiar de penas mitigadas, enquanto especialistas técnicos enfrentam sanções agravadas. Após a publicação das Opiniões, engenheiros e operadores de bolsas de moedas virtuais, misturadores e carteiras anónimas devem redobrar a atenção: ainda que não participem diretamente em fraudes ou esquemas piramidais, conceber soluções que permitam a atividade ilícita pode constituir auxílio a crimes TI. O critério passou de “neutralidade técnica” para “assistência técnica”.
3. Comerciantes OTC correm riscos acrescidos—o perigo de responsabilidade penal aumentou significativamente. Se um operador OTC continuar a negociar após o bloqueio da conta, poderá ser acusado de “atividade continuada após restrição”, enquadrando-se diretamente no tipo legal de auxílio a crimes TI. Prestar serviços de operações de USDT a agentes clandestinos pode originar múltiplas acusações.
4. A conformidade tornou-se obrigatória para empresas emergentes Web3. Os fundadores devem criar sistemas de conformidade próprios para o setor o quanto antes e assegurar formação legal regular a todos os elementos da equipa.
As Opiniões estabelecem critérios mais exigentes para punição de práticas organizadas e profissionais de auxílio, aumentando os custos para infratores a montante e potenciando uma atuação rigorosa contra fornecedores profissionais de cartões e outros intervenientes ilícitos. Embora clarifiquem regras de condenação e base legal—facilitando o trabalho dos advogados na preparação da defesa—o conceito de “participação consciente” permanece ambíguo em casos complexos. A avaliação da consciência, motivação e incentivos financeiros exige apuração cuidadosa. A publicação das “Opiniões sobre o Tratamento de Processos Criminais Relacionados com a Assistência a Atividades Criminosas em Rede de Informação” marca uma nova era de atuação regulatória incisiva sobre o setor cripto chinês. Só um sistema de conformidade abrangente, que inclua revisão prévia, monitorização contínua e rastreamento pós-evento, permite operar em conformidade com a lei.
A advogada Meimei recomenda aos profissionais do setor cripto que evitem qualquer conduta potencialmente enquadrável como “auxílio” a crimes—even de forma inadvertida—e que procurem imediatamente aconselhamento jurídico caso sejam investigados, prevenindo interpretações erradas das suas declarações como participação dolosa.